Trocar peças

Há pessoas que em vez de um coração, têm um motor com várias peças. 
E se uma peça emperra ou se parte, leva-se o motor à oficina e troca-se o carburador, os pistons, a centralina, substituindo aquela peça sem alterações de maior. Tira-se a anterior e no lugar desta coloca-se uma nova que cumpra a mesma função, mas com a frescura de tudo o que é novo. E siga a marinha.
Para estas pessoas não é importante o amor que se tem ao outro, mas o que o amor do outro nos pode trazer de bom. 



A escolha de parceiros segundo critérios práticos e utilitários terá as suas vantagens, mas não me convence. Não amamos quem queremos, como queremos e porque queremos. Amamos como podemos, e muitas vezes contra a nossa vontade, remando contra todas as marés, envoltos no mistério de uma escolha que não é feita por nós, mas por uma força que nos é superior à qual os místicos chamam destino, os cientistas chamam química e os portugueses chamam fado. Quando olhamos para o lado e pensamos ‘mas afinal porque é que eu gosto tanto desta pessoa’ e nos apercebemos que esse amor encerra um mistério inexplicável, então é porque existe mesmo amor.

Quando uma pessoa se apaixona por outra tem tendência a colocá-la num pedestal
E quando começa a amar essa pessoa a sério, depois de uma descida mais ou menos atribulada ao mundo real que coincide com o fim do encantamento, é então que percebe que ama o outro não só pelas grandes qualidades que encantam, mas apesar dos defeitos que incomodam.

Amor não é interesse, porque quem tem interesse por outra pessoa raramente gosta dela. O amor está para o interesse como sardinhas para chantilly: por mais que se tente é uma combinação impossível. Mas esta é a visão de quem tem um coração. Para quem funciona com um motor, tudo isto soa a conversa fiada. O que convém é alguém que encaixe, que não chateie, que esteja ali à mão, que dê jeito, que nos passe as camisas ou nos mude as lâmpadas, alguém que nos seja útil, dentro e fora da cama.

Para quem tem esta percepção utilitarista do amor, é fácil encontrar um parceiro à altura: basta olhar à volta e perceber quem é que pode encaixar melhor no molde pré-definido e depois limar as arestas, empurrar um bocadinho aqui e ali e ignorar o que destoa. No fundo, é uma forma de fazer exercícios de abstracção como qualquer outra. É o que faz com que um homem que apregoa apreciar mulheres magras e independentes acabe estacionado na vida com uma gordinha semi-dependente só porque mora perto e tem tempo livre para ele. É como sonhar em ir passar uma semana à Polinésia Francesa e acabar em Punta Cana. 
Punta Cana é bom, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Quem vive assim, vive feliz porque vive com a vida controlada. 
Tem o que quer, como quer e quando quer. 
Até ao dia em que um tsunami emocional lhe bate à porta,
lhe acorda o coração e lhe gripa o motor para sempre.


4 comentários

  1. Mas não se pode por um coração numa máquuina...

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  2. demais..não retirava uma palavrinha. perfeito!

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  3. Sabes, ao longo da minha vida, e já pensei muito com o coração e por consequência também já fiz muita asneira e bati muitas vezes com a cabeça, começo a aperceber-me que o amor não é cego... Só míope!
    E cada vez mais acho que temos que amar não só com o coração, mas também com a razão!

    xoxo
    Lux

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